Muitas irmandades podem, certamente, orgulhar-se por ter na sua respeitável história inúmeros homens santos reconhecidos quer por actos públicos quer por actos que só Deus tomou conhecimento. No entanto, poucas têm a honra de terem sido fundadas por um homem a quem os do seu tempo, ainda em vida, chamavam de Santo, o Pintor Santo mais precisamente.
Luís Álvares de Andrade, o nosso fundador, foi exemplo público de santidade e de entrega com uma visão objectiva do que pode ser a missão e a capacidade de pôr ao serviço os dons que Deus lhe deu.
Natural da cidade de Lisboa (cerca de 1550), foi um homem respeitado pela sua virtude e santidade, razões pelas quais era conhecido por todos como o Pintor Santo.
Filho de Afonso Álvares de Andrade e de Maria Franca, cedo ficou órfão de pai, tendo sido entregue pela sua mãe aos cuidados de Frei Francisco de Bovavilha, religioso Dominicano de méritos reconhecidos por toda a Espanha que ocupava em Portugal o cargo de confessor da Rainha Dona Catarina, mulher do Rei Dom João III.
Outro ilustre membro da Ordem Dominicana que contribuiu para a sua formação foi Frei Luís de Granada, que lhe formou o coração de tal maneira que o tornou num extremo de assombro e edificação na humildade, na paciência, no desprezo de si e sobretudo no cordial afecto de devoção ao Santíssimo Sacramento.
A singular piedade deste grande servo de Deus inspirou-lhe o desejo de colocar em prática, na sua cidade de Lisboa, o que o Marquês de Tarifa tinha começado em Sevilha, celebrando os Passos de Jesus Cristo em sua Paixão sagrada, imitando os passos que Ele mesmo tinha dado com a Sua Cruz até ao Calvário.
Inicialmente, juntamente com os seus companheiros, como frequentador da Igreja de São Roque dos padres da Companhia de Jesus, comunicou a intenção de ali fundar uma confraria de devoção à santa Cruz de Cristo mas este projecto foi-lhe negado evocando indisponibilidade de espaço. No entanto foi-lhe indicado o Convento da Ordem de Santo Agostinho como uma possibilidade e assim se fundou a Irmandade ou Confraria da Santa e Vera Cruz, inicialmente numa capela no claustro do convento da Graça em 1586.
Empregou nesta sua empresa todas as diligências, com muito trabalho e despesa sua.
Luís Álvares de Andrade comprou a um escultor italiano de passagem por Lisboa uma magnífica cabeça de Cristo para a qual mandou fazer um corpo de vestir.
Teve o beneplácito do Arcebispo de Lisboa, D. Miguel de Castro, que o pôs como principal instituidor da procissão no ano de 1587, um ano após a fundação, e contava já com uma bula em 1586.
Muitas foram as Graças e indulgências posteriormente concedidas quer por Sumo Pontífices quer por Padres da Igreja. O próprio Arcebispo muito se empenhou nesta obra da instituição. Tanto que chegou a percorrer as ruas do itinerário da procissão com Luís Alvares para melhor decidir onde colocar cada estação dos Passos. Nessa ocasião, o Arcebispo comentou com a comunidade de religiosos agostinhos “Espero em Deus que desta santa obra resultará a Luís Alvares grande glória na outra vida, aos fiéis cristãos não menos proveito espiritual nesta.”
A verdade é que ainda hoje, passados mais de quatro séculos, se faz a procissão dos Passos que, a seu exemplo, rapidamente se estendeu a todo o reino.
Outra particularidade deste grande homem foi a sua devoção às almas do purgatório. De referir que foi no Concilio de Trento (1545-1563) que o purgatório teve um impulsionamento considerável, como resposta da contra reforma.
Luís Alvares de Andrade aderiu de tal forma a esta devoção que era sua intenção esvaziar o purgatório pelo que mandou imprimir, à sua custa, mais de vinte mil papéis com a oração do Santo Sudário e Indulgência do Papa Clemente VII que fez distribuir por todo o reino, e fora dele, além da pintura de inúmeras placas a óleo com a representação das almas em chamas e com a legenda “Irmãos lembrai-vos das almas que estão no Purgatório hum Pater Noster e Avé Maria” que colocava nas portas das igrejas, pontes, cruzamentos, praças e demais lugares públicos desde Lisboa até ao Minho. Deve-se a ele a ainda existente devoção popular das Alminhas, tal foi a fervorosa e empenhada pastoral deste leigo filho de Deus.
Morreu na cidade de Lisboa a 3 de Abril de 1631 com cerca de oitenta e um anos. Jaz enterrado no Cruzeiro de São Roque.
A prova de santidade deste humilde mas grande homem é a forma quase despercebida como desempenhou a sua missão, tão importante na história da Igreja em Portugal e no entanto tão desconhecida do cidadão comum.
Os santos são acima de tudo exemplos de vida.
A nossa gratidão a este grande e santo homem pelo legado que nos deixou.